Se há coisa que detesto são indivíduos que se julgam melhores que os outros, apesar de todos estarem reduzidos à condição de mortais. Tão passíveis de errar como qualquer outra pessoa. Mas que tão prontamente julgam e condenam.
Se há coisa que me dá gozo, é retribuir o cumprimento e reduzi-los à sua insignificância.
Se há coisa que me dá gozo, é retribuir o cumprimento e reduzi-los à sua insignificância.
Detesto gente que diz que faz e acontece, sem saber o que custa passar pelas coisas. Mas o que me irrita na verdade, é a ousadia de nem sequer querer entender o que está do outro lado.
Anda para aí uma praga de gente boa que incomoda os outros, como eu. São contra os vícios, contra os pecados, contra o excesso de sentimentos.
Não se enervam, não levantam a voz, não discutem. Não sabem quem é o Sá Pinto, não percebem como é que se pode perder horas diante da televisão a ver futebol e não entendem que alguém possa ler simultaneamente 'Os sete pilares da sabedoria' e 'A Bola'. Nem entendem sequer a própria ideia de competição no desporto: se lhes acontece jogar volley de praia ou matraquilhos no Jardim Cinema, tanto lhes faz perder como ganhar - só jogam para se divertir. Não fumam, não bebem, não comem carne. Olham-me com um ar condenável quando acendo um cigarro e ficam verdadeiramente incomodados quando lhes sopro para cima o fumo de um Monte Cristo nº 4. São macrobióticos, vegetarianos ou especialistas em comida alternativa, como unção de algas com finas fatias de peixe branco de Vanuatu. Olham-me enjoados se encomendo umas mãozinhas de vitela com grão e desmaiam de terror à ideia de serem convidados para uma matança de porco. Acreditam em qualquer coisa vagamente mística e nas virtudes de que o mundo é demasiado humano para o seu gosto. Gostam de conversas calmas, de sentimentos controlados, de comida sem cheiro, de móveis de design, de linhas depuradas e rectas, como o próprio corpo que cultivam. Enfim, acreditam nessa verdade, mais perigosa do que todas as outras, que é a possibilidade de um mundo perfeito.
Todavia, ao contrário dos budistas, não são dados a renúncias nem desprezam o dinheiro ou as coisas materiais. Mas desprezam os gastos absurdos de dinheiro, aqueles que se consomem no próprio acto, como um Barca Velha de 94, uma garrafa de Veuve Clicquot aberta às três da manhã para ver melhor o cometa, ou um havano enrolado à mão para ouvir melhor o barulho das cigarras no campo. São herdeiros da civilização judaico-cristã e, sem o saber, abominam tudo o que representa a herança do mundo greco-romano e árabe que fez do Mediterrâneo uma civilização única e inimitável.
Fazem-me lembrar a oração do Papa Calisto II, a exorcizar o cometa Halley, à sua passagem pela terra, em 1452: «Livrai-nos, Senhor, do mal, do turco e do cometa». Se são homens, não têm filhos porque lhes estragam a carreira e tiram a «liberdade»; se são mulheres, estragam-lhes a figura e a «liberdade». Sim, porque eles são livres: não prestam tributo ao vício e só respondem por si próprios. A «liberdade» ensinou-os a planear, a prever; fogem do acaso e das circunstâncias como se foge de um intruso nocturno.
Apetece-me desferir uma marretada no centro da testa e dizer: ó amigo, ainda tens muito feijão para comer! Mas assim que o penso, lembro-me que eu nem gosto de feijão. E se a ele lhe faz falta, a mim muito mais.
É por estas e por outras que continuo a achar que o texto que se segue nunca passa de moda. Na verdade, continua bem actual.
Anda para aí uma praga de gente boa que incomoda os outros, como eu. São contra os vícios, contra os pecados, contra o excesso de sentimentos.
Não se enervam, não levantam a voz, não discutem. Não sabem quem é o Sá Pinto, não percebem como é que se pode perder horas diante da televisão a ver futebol e não entendem que alguém possa ler simultaneamente 'Os sete pilares da sabedoria' e 'A Bola'. Nem entendem sequer a própria ideia de competição no desporto: se lhes acontece jogar volley de praia ou matraquilhos no Jardim Cinema, tanto lhes faz perder como ganhar - só jogam para se divertir. Não fumam, não bebem, não comem carne. Olham-me com um ar condenável quando acendo um cigarro e ficam verdadeiramente incomodados quando lhes sopro para cima o fumo de um Monte Cristo nº 4. São macrobióticos, vegetarianos ou especialistas em comida alternativa, como unção de algas com finas fatias de peixe branco de Vanuatu. Olham-me enjoados se encomendo umas mãozinhas de vitela com grão e desmaiam de terror à ideia de serem convidados para uma matança de porco. Acreditam em qualquer coisa vagamente mística e nas virtudes de que o mundo é demasiado humano para o seu gosto. Gostam de conversas calmas, de sentimentos controlados, de comida sem cheiro, de móveis de design, de linhas depuradas e rectas, como o próprio corpo que cultivam. Enfim, acreditam nessa verdade, mais perigosa do que todas as outras, que é a possibilidade de um mundo perfeito.
Todavia, ao contrário dos budistas, não são dados a renúncias nem desprezam o dinheiro ou as coisas materiais. Mas desprezam os gastos absurdos de dinheiro, aqueles que se consomem no próprio acto, como um Barca Velha de 94, uma garrafa de Veuve Clicquot aberta às três da manhã para ver melhor o cometa, ou um havano enrolado à mão para ouvir melhor o barulho das cigarras no campo. São herdeiros da civilização judaico-cristã e, sem o saber, abominam tudo o que representa a herança do mundo greco-romano e árabe que fez do Mediterrâneo uma civilização única e inimitável.
Fazem-me lembrar a oração do Papa Calisto II, a exorcizar o cometa Halley, à sua passagem pela terra, em 1452: «Livrai-nos, Senhor, do mal, do turco e do cometa». Se são homens, não têm filhos porque lhes estragam a carreira e tiram a «liberdade»; se são mulheres, estragam-lhes a figura e a «liberdade». Sim, porque eles são livres: não prestam tributo ao vício e só respondem por si próprios. A «liberdade» ensinou-os a planear, a prever; fogem do acaso e das circunstâncias como se foge de um intruso nocturno.
O que fazer com esta gente? Como ousar entendermo-nos, se a simples aproximação parece constrangê-los? Somos um monstro de pecados e vícios que bate à porta da virtude. E é desesperadamente verdade que eles estão certos: é certo que viverão muito mais do que nós; é certo que eles estão livres do colesterol, de cirroses, e de efizemas pulmonares; é certo que não morrerão de stress, nem de desgostos de amor, nem de aflições paternais; é provável que nem sequer morram - de coisa alguma. Quem sabe, talvez seja este o caminho para a imortabilidade?
Livrai-nos, Senhor, dos males do mundo, da condição de homens, dos caracóis com orégãos e do cheiro das sardinhas assadas. Sim, dai-lhes Senhor o eterno descanso.
Livrai-nos, Senhor, dos males do mundo, da condição de homens, dos caracóis com orégãos e do cheiro das sardinhas assadas. Sim, dai-lhes Senhor o eterno descanso.
6 comentários:
Tu quando embirras com uma coisa, és teimosa e chata que se farta (sim, porque isto ainda é a mesma conversa que começou no meu blog).
Uma gazela que corre, sabe que corre e porque corre. Uma pessoa em negação, não sabe (por definição) que está em negação. A gazela aceita a sua realidade e a sua opção é sair de sítio a alta velocidade. A gazela é que se está a adaptar à realidade, não a tentar adaptar a realidade a si. Podes brincar com a semântica do verbo "fugir" quanto quiseres, a gazela não toma prozac.
A «liberdade» que ensina a fugir ao acaso e às circunstâncias é por acaso diferente da liberdade de praticar os vícios? O que é o hedonismo muito querido da civilização greco-romana senão a glorificação do homem e da sua liberdade de se dedicar aos vícios?
Afastemo-nos por um momento dessa visão do mundo de um tabagista arrogante que sopra fumo para cima dos outros e fica ofendido com a "arrogância" de quem não se presta a aturar-lhe as manias. Voltando ao meu ponto: Acho mal que culturalmente se aceite a manipulação de fotografias digitais para eliminar ou introduzir pessoas, manipulando as memórias. Que uma pessoa esqueça por si é uma coisa, que invente fantasias para acreditar já é território perigoso.
Da mesma maneira acho mal que se aceite que a droga ou a auto-flagelação sejam escapes válidos à realidade. Longe de mim limitar ou perseguir quem se injecta, ou quem bebe: cada um faz o que quer. Agora se quem bebeu quer conduzir, já não chega só a sua liberdade.
Note-se que tenho o mais alto respeito pela liberdade individual, acho que o suícidio ser crime é um disparate, sou a favor da eutanásia, e não podia estar mais longe do tipo de conservador descrito no texto que citas. Mas para mim é importante que a sociedade condene certos comportamentos e persiga não quem os pratica mas quem os potencia, permite e publicita. Porque esses comportamentos tal como o fumo passivo, se não forem devidamente postos em cheque, não são nocivos só para a saúde física e/ou mental de quem os pratica.
Não é por me achar melhor que os outros que aponto o dedo, e não pretendo impôr nada a ningúem. Apenas me importa proteger (se me deixarem, claro está) a sanidade e saúde de quem me rodeia.
Fechando a questão, se te irrita tanto certo tipo de atitude, quem és tu para julgar quem sabe ou não sabe o que é "passar pelas coisas" e com que arrogância é que te aproprias do "outro lado"? Não julgas a tua visão hedonista dos vícios - na vertente de irresponsabilidade social - como melhor que a dos outros? Então não és também culpada de ter a mania que faz e acontece e que é melhor que os outros? Pensa antes de escrever.
Ena ena, quanta agressividade!
Se não te conhecesse melhor, era caso para perguntar: quem é que te encomendou o sermão?
Lamento desiludir também a ti, mas efectivamente não me acho ou penso melhor ou pior que tu.
Concordo contigo na arrogância. Tal como escrevi, dá-me gozo retribuir o cumprimento. Não deixo contudo de condenar a atitude. E se tivesses lido com alguma calma, tinhas reparado que o pedaço
"Apetece-me desferir uma marretada no centro da testa e dizer: ó amigo, ainda tens muito feijão para comer! Mas assim que o penso, lembro-me que eu nem gosto de feijão. E se a ele lhe faz falta, a mim muito mais."
também não está ali só para enfeitar. Agora é a tua vez de pensar! ;)
O teu blog:
A gazela adapta-se à realidade e foge do predador. Ao retirar o ex-marido das fotografias, não está também a adaptar-se à realidade?
A negação era apenas relativa ao: ah se eu apagar aquela pessoa das fotos, com certeza resolvo o problema.
Foi a minha tentativa de me colocar do vosso lado, pensando exclusivamente no acto de manipular fotografias como solução ao problema. Mas é que mesmo estando a negar a origem do problema, a verdade é que está a reconhecer que tem um, e ainda que a nível insconsciente ou subconsciente, a tentar lidar com isso!
Estou certa que o probelma é não leres aquilo que escreves. Ou então sou eu que extrapolo demasiado. Antes de teres apontado o dedo à mulher que ousou manipular as suas fotografias, tens conhecimento de que ela tenha criado uma falsa memória? Tens conhecimento de ela ter esquecido o que a atormentou? Sabes por acaso qual foi o objectivo dela ao fazer tal coisa? A mim parece-me que não. Eu tão pouco sei. Mas as questões anteriores parecem-me relevantes no julgamento a que foi colocada.
(Da minha parte, acho complicado criar uma nova memória deixando vestigios da anterior. No meu caso particular, ainda que apagasse alguém de uma fotografia comigo, todo o ambiente em torno da mesma deixava de fazer sentido, e como tal acabaria sempre por pensar no objecto que estava em falta. Por conseguinte a tentativa de manipulação para escape ao problema original não seria muito feliz. Será que não é assim com ela também? Ou será que não era esse o objectivo?)
De volta ao meu blog:
És a favor da liberdade individual, e do suicidio, e de quem se injecta, e de quem bebe, e de quem fuma. Permites todos estes vícios, mas só até ao ponto em que não são publicitados? Sou só eu que vejo aqui uma contradição?
Mas sim, percebi o que querias dizer. E concordo plenamente no ponto em que a minha liberdade acaba quando a tua começa. Mas não era essa a conclusão que pretendia que tirasses daqui. Porque isso já eu sabia. E tu também.
Não podes condenar quem se injecta, e tomares análgésicos sempre que tens uma dor de cabeça. Ou precises de ficar acordado noite dentro. Ou um hipnótico para adormecer. Não são também estes escapes para a realidade? Ou é por não trazerem efeitos tão nefastos a curto prazo que já é legitimo?
O texto que passei mostra dois pontos extremistas. Que era nisso que queria que reparesses. Nem 8 nem 80. É sempre bom ver o reverso da medalha. E então aí sim, ponderar uma critica. Era apenas isso que pretendia com os meus comentários no teu blog. Pretendes que certos comportamentos sejam condenados, mas não queres impor nada a ninguém. Que tarefa complicada.
Oh querida, agressividade paga-se com agressividade :P
Quanto à gazela, reitero o meu ponto: a mulher que muda a foto não se está a adaptar à realidade, está a tentar adaptar a realidade a si, manipulando um artefacto que medeia a nossa relação com memórias reais.
Quanto à "contradição" entre permitir os comportamentos e condená-los, é uma questão de onde defines a fronteira entre as excepções aceitáveis e portanto legítimas.
Como diz o outro, ninguém é a favor do aborto, há pessoas é que defendem que a mulher possa escolher porque reconhecem que podem existir condicionantes que a levem a considerar essa opção (e aqui as opiniões variam, mas não entrando a fundo nessa discussão podemos apontar o caso de violação uma circunstância grave o suficiente para ser excepcção no entender de uma larga maioria).
Toda a moral é relativa. Ninguém questiona o "ninguém matarás" a não ser que seja legítima defesa por exemplo.
Simplificando mais um bocado: eu não quero interferir com a decisão dos outros de se drogarem, mas ao mesmo tempo não quero que o meu irmão ou futuros filhos vivam numa sociedade que não condene esse hábito. O mesmo vale para self-brainwash.
PS: Ninguém me encomenda sermões lol.
Quanto á gazela, reitero também eu o meu ponto: quem te garante a ti que a manipulação das fotos não é simplesmente uma maneira menos penosa de ultrapasar o problema? quem te disse a ti que é um enterrar da cabeça na areia? aliás, volto a repetir, em que mundo é que fotos com tanto significado perdem o sentido depois de eliminada uma parte? o ambiente que levou aquela foto, aquela expressão, naquele lugar, também se perde com a manipulação? Eu que tenho memória de passarinho, não me esqueço desse tipo de coisas. Se bastasse uma simples manipulação de fotografias, achas que era necessário andar a nadar em medicamentos? Não creio.
Quanto à tua contradição, e antes que venhas falar do sexo dos anjos para uma discussão sem fim, não podes ser conivente com o que se passa á tua volta e condenar o mesmo tipo de comportamentos apartir do momento em te que afecta um ente querido. No meu vocabulário tal atitude tem outro nome. Mas se calhar é de eu ser chata.
Seguindo a tua deixa, do boletim de voto constava o SIM e o NÃO. Não me lembro de existir uma terceira opção para os que estão mais-ou-menos-de-acordo-com-
exepções-definidas-por-alguma-
entidade-divina-e-contra-todas-
as-outras-que-não-são-legítimas.
Mas isto já nada tem a ver com o meu post agressivo.
Quanto ao self-brainwash, enough said.
"não podes ser conivente com o que se passa á tua volta e condenar o mesmo tipo de comportamentos apartir do momento em te que afecta um ente querido. No meu vocabulário tal atitude tem outro nome."
Tens alguma coisa contra quem fuma? então e contra quem fuma para cima de ti?
Eu acho que os valores culturais devem estar presentes e moldar como a sociedade se organiza. Devem até haver leis que restringam a liberdade individual quando esta interfere com a do próximo. Mas não acho que devam ser forçados sobre ninguém.
A sociedade diz-te "não te drogues que isso faz-te mal, come antes uma peça de fruta" mas não te força a nada, és livre, desde que não trafiques (aí estás a potenciar e a promover esse comportamento por terceiros, já não é só a tua liberdade e a tua saúde em jogo).
Não sou conivente, não vou é perseguir alguém só porque tem um comportamento auto-destrutivo. Acho sim que a sociedade deve estar estruturada segundo valores (e as pessoas liberais e ateias também têm valores ao contrário do que se pensa na direita e nos estados unidos) que apontem esse tipo de comportamentos como aquilo que são: auto-destrutivos.
Estando todos em igual terreno de oportunidade para compreender esse facto e evitar esses comportamentos, quem neles se mete, por seu risco o faz.
A questão do ente querido, é a forma mais fácil e rápida de fazer qualquer pessoa perceber a necessidade desse espaço mental comum de valores na sociedade. Posso me estar nas tintas para um estranho drogar-se mas isso é independente da necessidade de uma consciencialização social sobre o problema para evitar que mais pessoas caiam nesse erro.
Acusas-me de ser imparcial quando me preocupo mais com entes queridos do que completos estranhos? ORLY? Declaro-me culpado! So what? o.O No meu vocabulário essa crítica é rídicula...
Finalmente chegaste onde eu queria. Bem vindo!
A sociedade condena, mas és livre na tua escolha. Mas se optares em detrito do que a sociedade pensa, então aí já não tens grande escolha não é? Mas claro, desde que não interfira com terceiros és livre de ser marginalizado.
Achas que deve haver leis mas não achas que devam ser forçadas sobre ninguém?
Vá lá. You can't have them both.
Talvez assim percebas melhor:
conivente
do Lat. connivente
adj. 2 gén.,
cúmplice;
culpado;
conluiado;
mancomunado;
que finge não ver ou não perceber o mal que outrem pratica.
perseguir
Conjugar
v. tr.,
seguir de perto;
acossar;
importunar;
molestar;
ir no encalço de;
correr sobre;
tentar agarrar ou prender;
vexar, fazendo violência;
atormentar tiranicamente.
Vês aqui a diferença? Não é por te preocupares mais com este ou com aquele que é errado. É tu reconheceres o problema, mas só agires quando atinge alguém que te é próximo. Mas se nem atingir, finges não ver, afinal não é nada contigo. E aqui, será esta atitude rídicula ou hipócrita? Talvez um pouco das duas.
Mas pronto. Lá te salvaste com a "necessidade de uma consciencialização social sobre o problema para evitar que mais pessoas caiam nesse erro.", ainda que esta não seja independente da raiz do problema - imho.
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